A Galiza, a Espanha e a CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Artigo de Ângelo Cristóvão

angeloc@academiagalega.org

12 julho 2021

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tem vindo a registar, nos últimos anos, uma ampliação do número de estados associados e organizações observadoras, modificando mesmo alguns regulamentos para promover e facilitar uma participação ativa.

Isto, sem dúvida, terá efeitos positivos em termos de influência internacional e capacidade para atingir os resultados previstos nos diversos Planos de Ação em vigor, especialmente na difusão da nossa língua comum, que nasceu, como todos sabemos, a ambas as beiras do rio Minho. O alargamento a territórios longínquos, que celebramos, oferece a oportunidade de refletir sobre outros mais próximos e antigos, como a Galiza, considerando que os estatutos da CPLP incluem a possibilidade de admissão de “territórios dotados de órgãos de administração autónoma”. 

A este respeito cabe indicar que as tentativas de aproximação galega se produziram já em datas prévias à fundação desta organização internacional, para o que foram decisivas as gestões do Embaixador José Aparecido de Oliveira. Ele enviou o projeto de estatutos da CPLP a José Luís Fontenla Rodrigues, presidente das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, em carta emitida pela Embaixada do Brasil em Lisboa, em 18 de maio de 1993, em que agradeceu “o seu prestigioso apoio à proposta do Presidente Itamar Franco de criação da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa” solicitando “comentários, críticas e sugestões”. 

Na mesma altura o presidente da Comunidade Autónoma, Manuel Fraga, do Partido Popular, promoveu uma tentativa de adesão, que ficou travada porque o projeto inicial de comunidade de povos mudou, em 1994, para comunidade de estados. 

Posteriormente, o presidente socialista Emílio Pérez Touriño (2005-2009) retomou os contactos a vários níveis, também com a Secretaria Executiva da CPLP, que acolheu a ideia com expectativas de sucesso, mas não avançou. Foi a segunda tentativa. 

Cabe citar, em paralelo e a modo telegráfico, no terreno da diplomacia cultural, as consultas oficiais realizadas em 1989, pelo Ministério da Cultura do Brasil, à Comissão Galega do Acordo Ortográfico, em relação ao projeto de estatutos do Instituto Internacional da Língua Portuguesa. A participação desta Comissão, integrada por personalidades e entidades da sociedade civil, no encontro para o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1986 no Rio de Janeiro, por convite da Academia Brasileira de Letras. E novamente no Acordo Ortográfico de 1990, a convite da Academia das Ciências de Lisboa, por indicação explícita do Governo da República de Portugal. No documento final consta “A adesão da Delegação de Observadores da Galiza”. Deixando a um lado as discussões sobre as grafias da língua, destacamos aqui a vontade de uma presença continuada nos assuntos comuns. E o facto de os sucessivos governos espanhois terem sido sempre informados destas atividades, por um compromisso de lealdade institucional.

Com o intuito de dar continuidade ao trabalho previamente realizado pelos seus predecessores, o atual presidente Alberto Núñez Feijoo favoreceu politicamente, no ano 2014, uma iniciativa legislativa popular que resultou na aprovação no Parlamento autónomo galego da Lei 1/2014 “Para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia”, por unanimidade da Câmara autonómica. Evidenciou-se, assim, um entendimento no âmbito da política, a cultura, a economia e a sociedade civil em prol da integração no espaço lusófono. Esta é uma mudança relevante. O que no início fora iniciativa e responsabilidade de um pequeno grupo de intelectuais, passou a ser a posição assumida pelas instituições públicas galegas.

Com a força de um objetivo comum, partilhado pelo Governo e toda a oposição parlamentar, mais o apoio, no terreno, da Academia Galega da Língua Portuguesa, em qualidade de “observador consultivo” da CPLP, a Galiza tentou pela terceira vez, de forma discreta, criar as condições favoráveis para o sucesso da sua candidatura, levando as gestões tão longe e tão alto quanto foi possível, sempre com o conhecimento do Governo central de Madrid.

A comunicação que recebemos em julho de 2019, de que seria a Espanha quem iria apresentar a candidatura à categoria de “observador associado”, e não a Galiza, deixou em suspenso todo o trabalho previamente realizado, à espera de notícias. A pandemia que a todos afetou obrigou a adiar, por sua vez, a XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, que finalmente será realizada em Luanda nos próximos dias. Tudo indica que o Reino da Espanha será admitido como país observador, o que julgamos positivamente, em termos de oportunidade.

Ao considerar o histórico de relacionamento da Galiza com os países de língua oficial portuguesa, que inclui uma dilatada listagem de constantes iniciativas da sociedade civil, câmaras municipais e outras instituições públicas, como as Comissões de Cooperação conjuntas, e levando em linha de conta o crescimento na interdependência económica com Portugal, especialmente com a vizinha Região do Minho, só cabe exprimir o desejo de que o governo espanhol acerte na sua política, nas suas linhas de atuação. Entre estas figura, em lugar destacado, o Plano de Ação para a difusão da língua portuguesa no seu território.

Ao tomar a iniciativa, o Ministério de Assuntos Exteriores, UE e Cooperação assumiu também a responsabilidade de responder às expectativas criadas, e equacionar esta oportunidade em termos de cooperação. Por isso é expectável, e de justiça, uma fórmula de integração e representação diplomática inteligente, que reconheça o papel da Galiza na CPLP, e permita desenvolver toda a sua potencialidade, dando continuidade ao esforço de todas as pessoas que, como o embaixador Aparecido de Oliveira, nos precederam nesta tarefa.

Subscreva as nossas informações
Scroll to Top