Os meus leitores já me ouviram sobre o meu tradicional banho de verão na Ribeira Quente (na minha ilha de berço), na companhia de um punhado de amigos e que termina invariavelmente com uma almoçarada de chicharros (é a famosa terra deles) no restaurante Costaneira, mesmo junto à praia. Da última vez, descobri que a Sónia, vivaça jovem dona e gerente, é uma grande fã de poesia. Quando começa a recitar versos, vai de Pessoa a Camões e volta, espraiando-se por muitos contemporâneos. Fala de poetas e de livros deles como dos chicharros que nos serve à mesa.
Frequentou vários anos de escola no Canadá e por isso também é apreciadora de poesia portuguesa traduzida em inglês.
Tocado pela experiência, pedi-lhe o endereço e, no meu regresso aos States, enviei-lhe um pacote de livros de poesia portuguesa em edição bilingue por mim editados na Gávea-Brown.
Nesta última semana, a Leonor e eu estivemos de anfitriões da minha cunhada e sobrinha, mas tínhamos um convite para almoçar nas Furnas em casa do Gualter Furtado, nome há décadas associado à finança insular. O outro casal convidado era o Eduardo Paz Ferreira (patrício cá da ilha e Prof. de Direito na Universidade de Lisboa, que me ofereceu um exemplar do seu mais recente livro, Como Salvar um Mundo Doente, Edições 70) e a mulher, a Francisca Van Dunem (uma simpatia de pessoa que nunca se dá ares de Senhora Ministra). Não quis mencionar ao Gualter que tínhamos companhia e então combinei ir levar a minha estimada cunhada Eduarda e sobrinha Catarina à praia da Ribeira Quente antes de seguir para casa do Gualter. Porque queria também assegurar-lhes o almoço, parei primeiro no Costaneira a fim de as apresentar à Sónia e assim garantir que o dito ficava por minha conta.
Ao deparar comigo, a fresca, viçosa, inteligente e culta Sónia perguntou-me de chofre:
– Está com medo do Covid?
– Não. Estou vacinado.
– É que eu estou cega para lhe dar um abraço!
E deu-mo.
De seguida, foi a uma dependência do restaurante buscar um saco. Era uma oferta que tinha guardada para me entregar quando um dia eu voltasse a aparecer-lhe no restaurante: os dois volumes da obra completa do Emanuel Jorge Botelho, poeta que está muito longe de ser uma referência meramente local. A Sónia tinha perguntado na livraria Solmar, em Ponta Delgada, se achavam que eu já os tinha e garantiram-lhe que não, pois são os meus fornecedores das edições locais.
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As fotos são da casa do Gualter. Melhor, da casa dos pais (ele e a sua Teresa vivem em Ponta Delgada) que guarda como um museu. Mostrou-nos os cantos todos da propriedade e do vasto pomar, incluindo a nascente de água que nos anos sessenta era usada para fazer um frigorífico.
A ementa incluiu cracas, hoje uma raridade porque nos Açores… tem sido uma razia. O gostoso prato principal, confecionado pelo caçador-cozinheiro Gualter, resultou de caçadas na ilha Graciosa: pombos-das-rochas, pombos bravos e coelho. A sobremesa foi um paio (luso-americano de pie) feito a partir de maçãs únicas das Furnas.
Da conversa e convívio será desnecessário dar conta.
Claro que nessa tarde já não houve banho de mar. Voltei à Ribeira Quente apenas para recolher as minhas visitas e apanhar mais uma beijoca e um abraço da Sónia.
Onésimo Teotónio Almeida
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