Os Brasileiros reconhecem a proximidade entre o Galego e o Português. Ainda no ano 1986, quando tiveram início as discussões que antecederam o Acordo Ortográfico de 1990, o então secretário da Academia Brasileira de Letras, Antônio Houaiss, convidou observadores galegos para o Encontro Internacional de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, do Rio de Janeiro.
O interesse dos Galegos pelo Português levou à criação, em 2008, da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). A entidade, de iniciativa privada, já elaborou o Léxico da Galiça, integrado aoVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa [publicado em Portugal em 2009] e pretende participar, como observadora consultiva, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP).
A Agência Brasil conversou, sobre o assunto, com o Secretário da Academia Galega da Língua Portuguesa, Ângelo Cristóvão. A seguir, os trechos principais da entrevista.
Português e Galego são Línguas distintas? Considera que o Galego ainda está mais próximo do Português do que do Castelhano?
Ângelo Cristóvão – Na Galiça, até o fim da década de 1970, existiu um consenso nesta matéria. Praticamente nenhum escritor, ninguém no âmbito universitário, intelectual ou político galego questionava a unidade da Língua, mesmo que a escrita utilizada fosse uma versão mais ou menos castelhanizada.
Foi na altura da instauração do sistema democrático espanhol que se produziu uma intervenção política na questão da Língua, aprovando o denominado “Decreto Filgueira” de castelhanização do galego, em 1982. Os sucessivos governos autónomos aplicaram uma política antilusófona na comunicação social, na programação do ensino, nos concursos de méritos, na seleção de docentes etc. Atualmente, essa política, essa atitude contra a Língua Portuguesa está desacreditada nos planos intelectual e político. Os últimos movimentos do Parlamento galego apontam para a unidade entre os grupos políticos, numa virada de rumo que pretende reorientar a Língua em direção à integração na Lusofonia. Foram 30 anos de isolacionismo e castelhanização do galego.
Quantas palavras há em comum?
Ângelo Cristóvão – O cálculo quantitativo é variável, depende de vários factores. Na fala informal, as diferenças de uma cidade para outra ou de uma região para outra são extremamente frequentes. Todos sabemos que no Brasil se diz “ônibus”, enquanto em Portugal é “autocarro”, e ninguém faz disso uma questão essencial. O Léxico da Galiça incorporado ao Vocabulário Ortográfico da Porto Editora, em 2009, chegou a 800 palavras. Na segunda versão, introduzida no corretor ortográfico FLiP 8, o número chegou a 1.200.
Uma pessoa alfabetizada em Galego consegue ler Português?
Ângelo Cristóvão – Com certeza entende a Língua falada. Quanto à escrita, é uma questão de hábito de leitura. Os alunos galegos que iniciam estudos de Português não começam no grau zero, como se fossem falantes de Castelhano ou de Italiano. Eles entram diretamente no nível intermédio, e geralmente podem fazer satisfatoriamente um exame de Português, depois de alguns dias de prática da ortografia comum.
O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa já incorpora o vocabulário de léxico galego. O que mais é necessário fazer para atualizar o reconhecimento da proximidade entre o Galego e o Português?
Ângelo Cristóvão – Em termos práticos, seguindo a lógica, o próximo passo deveria ser a integração do contributo lexical galego no Vocabulário Ortográfico Comum em elaboração sob a responsabilidade do Instituto Internacional da Língua Portuguesa.
Haveria alguma vantagem linguística para os Galegos ao adotar o Acordo Ortográfico?
Ângelo Cristóvão – É claro para todos que a desagregação da Língua não favorece, enquanto a unidade reforça o conjunto, em termos de mercado editorial, de espaço de comunicação e no plano económico, em geral. A adoção do Acordo Ortográfico na Galiça é uma das possibilidades, mas ainda não há condições para avançar neste sentido. Antes será preciso dar outros passos.
A aproximação do Galego e do Português parece uma questão também de afirmação política da comunidade autônoma, dentro da Espanha. Essa visão está correta? Há algum viés separatista no movimento reintegracionista?
Ângelo Cristóvão – A ideia de o Galego fazer parte do Português não é uma ideologia, pois é uma concepção partilhada por todos os partidos políticos galegos, por pessoas de todas as ideias. Existem organizações políticas galegas que se declaram independentistas e reintegracionistas, o que em termos legais e morais é perfeitamente legítimo. Como também há organizações com ideias políticas completamente diferentes e, no entanto, assumem a unidade da Língua.
Porque, apesar da proximidade e do interesse, só agora o Parlamento Galego vai aprovar matéria sobre as relações com a Lusofonia?
Ângelo Cristóvão – A resposta é difícil. Há ideias e movimentos culturais e sociais que precisam de maturidade, quer em termos internos, quer em relação aos condicionamentos sociais e políticos. Podemos afirmar, sem medo de errar, que atualmente existe na Galiza um sentimento e uma consciência cívica de pertença à Lusofonia nos setores mais ativos, mais influentes, que também está em reflexão no Parlamento, em todos os grupos políticos.
Em parte, o que influencia é o fracasso dos planos do isolacionismo linguístico galego. O seu descrédito intelectual é proporcional ao despropósito de construir uma Língua Galega afastada do Português e, em grande medida, contra o Português, pela via de um separatismo artificial, conduzindo a comunidade linguística a uma situação limite.
Talvez tenha influenciado também o trabalho de relacionamento internacional da Academia Galega da Língua Portuguesa. Desde a sua criação, em 2008, demonstra que é possível o reconhecimento da especificidade linguística galega dentro do português, o que chamamos de a “norma galega do Português”. Do nosso ponto de vista, é preciso conjugar a unidade e a variedade da Língua, de modo a que os falantes se reconheçam na norma culta, sem pôr em questão o que é comum. A Língua também é nossa, mas não é só nossa.
A aproximação do Galego e do Português teria algum benefício econômico?
Ângelo Cristóvão – O setor económico não é alheio a este movimento, a esta reorientação da questão da Língua em direção à Lusofonia, pois a atual crise leva à consideração de todos os factores e recursos que podem ajudar a ultrapassar esta situação. Neste plano, portanto, as empresas valorizam hoje mais do que nunca a Língua como factor de desenvolvimento, vendo e valorizando o sentido instrumental, utilitário, do Galego como variedade da Língua Portuguesa, que facilita o acesso ao mercado de 250 milhões de falantes. :::