Episódio 104 -Há mais marés que marinheiros

Ontem eu e a minha amiga que também estuda língua portuguesa na China estivemos a discutir o que querem dizer as expressões há mais marés que marinheiros e são mais que as mães. Ela acha que querem dizer exatamente o mesmo, mas eu acho que não.

O que é que ela acha que essas duas expressões querem dizer?

Na opinião dela, ambas as frases querem dizer “muitos.”

E na tua opinião, o que é que cada uma delas quer dizer?

Eu concordo com ela que são mais que as mães quer dizer “muitos” pois para haver um filho tem de existir uma mãe e se algumas mães decidirem ter mais do que um bebé, o número cresce de forma exponencial.

Tens razão. Nota, todavia, que essa frase é uma expressão coloquial usada unicamente em contextos informais e entre pessoas com muita confiança entre si.
E o que é que tu achas que quer dizer há mais marés que marinheiros?

Considerando que marés há apenas duas por dia, a maré alta e a maré baixa — como vocês dizem. Há muitos mais marinheiros que marés e, por isso, acho que a expressão quer dizer que há algumas coisas que são melhores que outras.

Algumas coisas são melhores que outras, porquê??? Melhores como?

Talvez melhores não seja a palavra correta. O que eu quero dizer é que há coisas que mesmo sendo em menor quantidade do que outras têm, ainda assim, uma maior abrangência ou impacto.

Acho que estás no caminho certo para perceber esta expressão. Há mais marés que marinheiros é um ditado popular que pretende transmitir a ideia que existe sempre uma segunda oportunidade ou uma nova ocasião para reavermos o que perdemos.
Considerando que o trabalho no mar é bastante perigoso, os marinheiros podem ir mas não voltar. Antigamente, quando as viagens eram feitas em barcos à vela, o regresso de um marinheiro nunca se podia prever, pois estava dependente do vento e do tempo meteorológico. Acrescente-se ainda que os marinheiros dos navios mercantes ou de transporte de mercadorias andavam de porto em porto e muitos deles tinham a reputação de ter uma namorada em cada porto e, portanto, não serem de confiança. Ao contrário dos marinheiros que são imprevisíveis, a água do mar sobe e desde ciclicamente.

Não podemos acertar os nossos relógios pelas marés, mas quase…

Há mais uma constatação popular que contribuiu para este dito popular: o que a maré leva também pode trazer e, às vezes, até algo bem melhor do que levou…

Então, o que esta máxima quer dizer é: podemos perder uma coisa ou falar um objetivo, mas mais tarde teremos oportunidade de a recuperar ou ter uma segunda chance.

É isso mesmo. A sentença há mais marés que marinheiros pode também ser usada para incentivar as pessoas a não desmoralizar ou desistir sempre que alguma coisa negativa nos acontece pois, ao virar da esquina ou num curto espaço de tempo, surgirá uma nova e, possivelmente até melhor, oportunidade.

A minha senhoria costuma dizer que quando uma porta se fecha, há uma janela que se abre.

Essa frase apresenta uma versão religiosa que é: quando uma porta se fecha, Deus abre uma janela.

Quando ela diz isto, lembro-me sempre da fábula chinesa que conta a história de um velho agricultor que tinha um cavalo que fugiu, mas pouco tempo depois, voltou com um outro cavalo. Quando o filho dele montou aquele novo cavalo, caiu e partiu uma perna. Todavia, por causa dessa perna partida, o jovem não foi recrutado para ir à guerra na qual morreram muitos soldados.
A moral deste conto tradicional chinês, que se transformou num provérbio é semelhante a há mais marés que marinheiros e a quando uma porta se fecha, há uma janela que se abre.

Os portugueses têm ainda outra frase, mais simples, para descrever essa moral: há males que vêm por bem.

OUTRAS EXPRESSÕES MENCIONADAS
há males que vêm por bem

ser mais que as mães

quando uma porta se fecha, Deus abre uma janela

quando uma porta se fecha, há uma janela que se abre

[não] ser de confiança
ao virar da esquina

EXPRESSÕES SEMELHANTES EM OUTRA(S) LÍNGUA(S)
il est plus d´ouvriers que de maîtres

VOCABULÁRIO

  1. coloquial: relativo ao registo oral, informal e/ou espontâneo
  2. exponencial: quem tem exponente variável e indeterminado; que é considerado acima do comum
  3. impacto: efeito de uma ação ou influência dos acontecimentos no decurso da história
  4. imprevisível: que não se pode prever ou calcuar com antecipação

    Cristina Água-Mel, “Say It in Portuguese”agua
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