Extraído de Ciberdúvidas
Ser professor implica ler centenas de linhas escritas por alunos de todas as idades. Esta experiência, que pode ter muito de reconfortante (a escrita evidencia o progresso, a visão do mundo, a sensibilidade …), implica também necessariamente a convivência com o erro. Alguns erros são pontuais, outros aparecem intermitentemente, mas os que incomodam verdadeiramente são os persistentes. Há erros que estão em todo o lado (testes, trabalhos, cartazes, slides…) e que os professores são forçados a ler e corrigir vezes sem conta.
Eis alguns desses erros que assombram os professores:
1) «A personagem, chegou a casa.»
A colocação da vírgula a separar o sujeito do predicado é um problema muito frequente que poderá ter uma das suas causas na oralidade. De facto, os falantes realizam uma pausa natural entre estes dois constituintes, situação que os alunos interpretam como geradora de vírgula na escrita;
2) «Falou com o João onde disse que ia descansar.»
A utilização do advérbio relativo onde em construções desta natureza tem vindo a crescer e revela dois problemas: onde não tem um antecedente que denote lugar e o próprio advérbio não tem um valor locativo no interior da sua oração;
3. «Quere-mos conquistar o título. Pensas-te que era fácil?»
A colocação do hífen a separar os sufixos flexionais da base verbal acontecerá por aproximação à colocação dos clíticos em posição pós-verbal, cujas formas são iguais ou próximas das que encontramos nestes erros: -me, -te, -se, -nos;
4. «Esta é a música que mais gosto.»
A utilização de construções relativas sem recurso à preposição regida pelo verbo ocorre num número muito significativo de situações de uso. Para identificar os contextos em que a preposição é obrigatória, é importante autonomizar a oração relativa: «Eu gosto de música». Se o verbo gostar rege a preposição de, na oração relativa esta preposição tem de surgir antes do pronome relativo: «A música de que mais gosto»;
5. «Esta frase vai de encontro à minha opinião.»
É quase obrigatória a confusão entre «ir de encontro a», que significa “dar um encontrão, contrariar, opor-se” e «ir ao encontro de», que significa “estar de acordo”. Na maioria dos casos, os alunos querem dizer «Isto vai ao encontro do que eu penso»;
6. «Ele escreveu a Rita.»
A não colocação de acento grave na forma contraída à é quase generalizada. O mesmo ocorre nas formas àquele/àqueles. A única forma de distinguir a forma simples do artigo definido a ou da preposição a da forma contraída do artigo com a preposição é através do acento;
7. «À muito tempo que ele esperava por isto.»
A confusão entre a forma contraída à e a forma há do verbo haver é recorrente, sobretudo em construções que expressem temporalidade;
8. «Houveram muitas pessoas que fugiram.»
O recurso a esta forma do verbo haver evidencia que o aluno considera que o constituinte «muitas pessoas» é sujeito, o que é incorreto porque haver é um verbo impessoal que é usado apenas na 3.ª pessoa do singular, não tendo sujeito;
9. «A personagem fugiu derivado ao medo.»
O recurso a «derivado a» para introduzir um segmento de valor causal resultará da confusão com a «devido a», esta sim uma locução que introduz um segmento com valor de causalidade;
10. «Concerteza que ele queria ir.»
Este erro terá origem na forma como, na oralidade, se articula a locução «com certeza», o que leva o aluno a crer que se trata de uma única palavra.
De facto, os professores precisam de expurgar a sua mente e os seus olhos destes e de outros erros, para que possam voltar a ter a paciência de os corrigir uma e outra vez. No entanto, olhar os erros para procurar as suas possíveis causas poderá propiciar uma abordagem didática que reduza o número de erros a corrigir. Um erro a menos é sempre uma vitória!
O que é mais preocupante, todavia, é que, um dia, estes alunos vão naturalmente deixar a escola e muitos levarão com eles os erros que sempre deram. Fora do ambiente escolar, poucos serão aqueles que terão a paciência (que o professor teve) de corrigir os seus erros. E quantos darão por eles?