“A literatura não permite conceber ilhas”, diz vencedor do prémio Eduardo Costley-White

Lisboa, 13 mar (Lusa) – O escritor moçambicano Lucílio Manjate, que venceu hoje o Prémio Literário Eduardo Costley-White, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), disse à agência Lusa que “a literatura não permite conceber ilhas”, destacando a importância do galardão.

O prémio tem “o condão de divulgar e promover escritores que dificilmente poderiam ver o seu trabalho reconhecido no espaço da língua portuguesa e não só, pois estamos a falar de escritores oriundos de países que, infelizmente, ainda se defrontam com dificuldades de publicação e divulgação capazes de os colocar no mercado internacional”, disse Lucílio Manjate, em declarações enviadas à Lusa.

“A literatura não nos permite conceber ilhas, queremos saber como o nosso texto dialoga com outros lugares e gentes”, explicou o escritor, que venceu a primeira edição do prémio da FLAD, com a obra “Rabhia”.

O Prémio Literário Eduardo Costley-White, no valor de dez mil euros, é uma iniciativa do Programa FLAD África, em parceria com a editora Edições Esgotadas, e tem como objetivo promover novos talentos africanos de Língua Portuguesa.

Na primeira edição deste prémio, foram validadas 34 candidaturas – poesia e prosa – de cidadãos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

O vencedor diz que “a publicação de autores africanos que escrevem em Português é importante porque permite edificar esta língua também africana por herança e direito histórico.”

“Do ponto de vista do autor africano, o português dá-lhe a oportunidade de expressar a sua cultura nos espaços da língua portuguesa e não só, porque, como sabemos, estamos a falar de contextos em que convivem línguas e culturas diversas e o português, com o estatuto de língua oficial, tem assumido o papel de levar ao mundo, de forma criativa, esse imaginário africano”, explica.

Lucílio Manjate, de 36 anos, nasceu em Maputo e estudou linguística e literatura na Universidade Eduardo Mondlane, onde hoje ensina literatura.

O escritor venceu este prémio com a obra “Rabhia”, que descreve como “uma história de amor e de morte”. “Uma história de guerra e de heróis; uma história de conspirações e do crime organizado; de tradições que chocam com a modernidade; de confronto de gerações.”

A cerimónia de entrega do prémio realiza-se hoje à tarde, no auditório da FLAD, em Lisboa, com a presença de Vasco Rato, presidente da fundação, e do escritor Mia Couto, também ele moçambicano, presidente do júri do prémio.

Manjate diz que “a obra e o percurso” de Mia Couto “são testemunhos de um compromisso inadiável com a literatura, com a arte em geral, enfim, com a cultura” e que receber o prémio das suas mãos o orgulha, porque aprendeu “a arte de escrever através dos seus textos.”

“Chego a ver-me engalanado em depositário de um legado, o legado da literatura moçambicana, que Mia Couto representa. É, portanto, a sensação de ser responsável, não apenas por um percurso individual, o meu, mas também coletivo, ou seja, partilhado, humildemente, não só com outros escritores moçambicanos, mas com os moçambicanos de forma geral”, disse.

Manjate lamenta, no entanto, que “em contextos como o moçambicano”, as editoras escasseiem e as poucas que existem, deixem o seu trabalho a meio.

“Não temos editores capazes de apostar em escritores, capazes de contribuir para a sua formação como escritores, alguém que seja capaz, por exemplo, de discutir e opinar sobre o texto, de modo a que o autor se supere”, explica.

Casado e pai de dois filhos, Manjate tem publicadas várias obras de ficção, entre as quais “Manifesto” (2006), “Os Silêncios do Narrador” (2010), “O Contador de Palavras” (2012), “A Legítima Dor da Dona Sebastião” (2013) e “O Jovem Caçador e a Velha Dentuça” (2016), inéditas na edição livreira portuguesa.

O autor diz fazer parte de “uma geração a quem lhe foi negada a possibilidade de falar em língua bantu” e que, exatamente por isso, “procura, hoje, resgatar algo que nunca teve, mas que faz parte do seu imaginário: as línguas bantu e toda a sabedoria que elas encerram, porque os nossos pais, tios e avós falavam nessas línguas, mesmo na nossa presença.”

“Mas fazemos esse resgate irremediavelmente em português, num exercício de metalinguagens e traduções necessárias para que, a partir do português, tenhamos acesso ao universo cultural local. A língua portuguesa cumpre esse papel e assim se torna essencial para mim”, explica.

AYS // MAG

Lusa/FimPremioFLAD

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